Psicologia no Futebol: A Chave para a Comunicação, Motivação e Desempenho
DR. ÂNGELO SANTOS
Vamos começar pelo mais simples. O psicólogo, no contexto do desporto, deve, em primeiro lugar, ajudar o treinador. E como é que pode ajudar o treinador?
Entendendo-o. Percebendo o que ele quer, o que decide querer. Qual é o método? Qual é a perspetiva de jogo? Qual é a perspetiva de treino? Qual é a abordagem na relação com os jogadores?
Não faz sentido que não exista esta coincidência, esta congruência, esta sintonia. Tem quehaver sintonia com o treinador e com a sua filosofia. Essa é a base de tudo.
Depois, vem o conhecimento dos jogadores: os seus perfis de personalidade, a forma como gostam de comunicar, como assimilam a comunicação. A forma como o treinador chega a mais jogadores. Porque a comunicação é a arma fundamental.
A psicologia aplicada ao futebol trabalha a mente. Psicologia é o estudo da mente, das pessoas, da motivação e das expectativas. E o futebol, assim como o treino, giram em torno de expectativas.
Fala-se de concentração, de gestão emocional—de primeira, segunda e terceira ordem. E talvez devêssemos falar um pouco sobre isso.
Primeiro, o treinador.
Depois, os jogadores.
Na formação, há um outro contexto fundamental: os pais.
Ouvimos muitas vezes que os pais são um problema na formação. Ora, essa é uma perspetiva redutora. Em vez de serem vistos como um problema, devem ser encarados como uma base de sustentação e compreensão do fenómeno. Afinal, quando os jogadores chegam a casa, o treino não termina.
Se os pais estiverem alinhados com o treinador, com o team manager, com a filosofia da academia, tudo se torna mais simples. O treino continua em casa. Os conteúdos surgem. Os conteúdos são integrados. Quando essa sintonia não existe, tudo se torna mais difícil. É essencial ampliar esta visão e compreender o contexto total.
E, sobre esse contexto total, deixo um pequeno desafio: os treinadores devem ter domínio total do fenómeno, mas isso não significa que saibam tudo. Há aqui uma confusão, às vezes. O mais importante é que consigam, através dos profissionais à sua volta—especialmente o psicólogo—extrair o que pode ser mais útil para a sua função.
Porque quero acreditar que, na formação do treinador, a psicologia está presente, está integrada. Mas também quero acreditar que o psicólogo pode acrescentar algo mais. Afinal, ele é o especialista na área.
Essa abertura a um novo diálogo, a uma visão mais complexa do fenómeno, é essencial. Ser treinador de futebol significa, no fundo, manipular pessoas no melhor sentido da palavra.
Ser capaz de colocar em prática, no treino e no jogo, aquilo que se pretende potenciar. E como se faz isso? Através da comunicação. Diária. Constante. Profissional.
Como diz o Professor Vítor Frade, “não há pormenores, há pormaiores“. Tudo é um pormaior.
Há os bons, os maus e os muito bons. E os muito bons são aqueles que conseguem chegar a mais sítios ao mesmo tempo. O futebol expande-se para todos esses contextos. Mas o ponto central continua a ser a expectativa, a motivação e a concentração do jogador. Se ele estiver bem—psicologicamente integrado e robusto—tudo se torna mais simples.
E para os treinadores da formação, não me levem a mal, mas a questão educativa é fundamental. A educação nunca deve ser um plano B. Ouço isso demasiadas vezes.
A educação é o plano A para chegar ao futebol. Para chegar ao treino. Compromisso, concentração, saber expor e interpretar conteúdos são premissas fundamentais para o desenvolvimento no futebol.
Se, no nosso discurso diário, não reforçamos essa premissa, desviamo-nos do caminho.Porque os jogadores são seres sociais. Seres educativos. Precisam de entender que a organização e a complementaridade são fundamentais para o seu crescimento.
Dou um exemplo: hoje dizem que o Diogo poderá ser o melhor guarda-redes do mundo. Se analisarmos as suas características quando tinha 14 ou 15 anos—um jovem que esteve sempre na Casa do Dragão connosco—percebemos que não foi só o talento. Foi a educação. Foi a entrega. Foi a forma como ele absorveu as constelações do jogo, do treino, do treinador de guarda-redes. A forma como ele se relacionava com os educadores em todas as áreas da Casa do Dragão contribuiu para o seu crescimento.
Porque um jogador não é apenas o que faz dentro de campo. Há fatores fenomenológicos, invisíveis. Há uma dimensão espiritual, se quiserem. E depois, no jogo, vemos que ele é diferente. Pois claro. Porque essas constelações estiveram todas presentes. E não só presentes—mas alinhadas.
E termino com uma última reflexão: dentro do staff técnico, tem de haver congruência. Isso não significa que todos pensem da mesma maneira. Mas significa que, no fim, todos devem executar aquilo que foi planeado e treinado. A crítica interna é fundamental para o progresso.
O papel da psicologia no futebol vai muito além do óbvio. Não se trata apenas de prevenção de lesões ou de otimização dos automatismos inconscientes através da hipnoterapia, por exemplo.
É um desafio: como não ter a psicologia no futebol? E de forma efetiva. Não basta ler livros de psicologia. Claro que é essencial ter conhecimento, mas mais importante ainda é ter por perto alguém que domine a área.
Vou partilhar uma experiência. Fui apresentado a uma equipa profissional há alguns anos. O treinador, um malandro, disse-me: “Vais-te apresentar.” Respondi: “Porque não me apresentas tu? Seria mais fácil.” “Não. Fala com eles.” Em 10 minutos, preparei um discurso. Afinal, aqueles eram jogadores que eu estava habituado a ver na televisão. E pensei: o que é que eu posso dizer a esta gente, que sabe mais de futebol do que eu?
A primeira premissa foi a humildade. “Eu não percebo nada disto.” Porque há sempre especialistas em tudo. Então, o que lhes disse foi exatamente isto: “Estou super nervoso. Estou habituado a ver-vos na televisão. Venho aqui para vos ajudar, mas tenho a certeza de uma coisa: eu vou precisar muito da vossa ajuda.” E naquele momento, criou-se um elã.Depois, tudo se tornou mais fácil. A premissa era clara: estávamos ali para aprender. E a psicologia é exatamente isso. Chamar a atenção para aquilo que temos de aprender no jogo, no treino, no pré, no pós. São estas as competências da psicologia.
E no ambiente da equipa, nas relações do staff, melhorar o ambiente não significa criar um grupo de amigos perfeitos. Muito pelo contrário. Significa saber quando e como gerar conflito.
Porque o problema não está nas discussões. O problema está em onde e quando elas acontecem. Muitas vezes, os desentendimentos acontecem nos corredores, depois das reuniões. Isso não é produtivo. O ideal é que ocorram nos momentos e nos espaços certos.
E nós, psicólogos, podemos ajudar a criar essa consciência. Porque melhorar a comunicação entre os treinadores melhora, inevitavelmente, a comunicação com os jogadores. E isso não é um pormenor.
Porque o treinador está sempre sob suspeita. O jogador, quando falha, olha para quem? Nem que seja de forma inconsciente, na jogada seguinte. Os treinadores são demasiado importantes para ignorar estes fenómenos que vão muito além da psicologia—mas que, ao mesmo tempo, a tornam essencial no futebol.



